sexta-feira, 17 de abril de 2015

Para Sempre Alice, um mundo de reflexões para os linguistas


Na sua vida de tradutor ou intérprete, aposto que você tem alguns “brancos” de vez em quando. O que fazer quando o signo linguístico aparentemente se descola na nossa mente? Você já ouviu ou leu aquela palavra, mas ela não evoca um conceito imediato. Ou o contrário: o conceito está claro, mas a palavra certa para expressá-lo não vem à mente? Para o tradutor, é mais fácil lidar com isso, mesmo que aquela palavra surja apenas depois de meia hora. Na vida do intérprete, é bem mais difícil, mas vale tudo para dar um gás na memória: ajuda do colega, pesquisa na cabine, paráfrases, exercícios de memorização e por aí vai...

No entanto, se esses brancos se tornassem cada vez mais frequentes, a ponto de você começar a esquecer o sentido de palavras comuns, como “palavra”? Ou, mesmo agora, no momento em que está lendo este texto, você se esquecesse completamente do que acabou de ler e, aos poucos, não conseguisse mais transformar os sinais visuais que compõem as palavras em informações linguísticas importantes para reconhecer o conteúdo do texto? Lentamente, você se esqueceria de tudo o que levou anos para aprender na faculdade ou na prática. Pior: esqueceria quem você é.

Esse é o drama da personagem Alice Howland, uma linguista de sucesso, diagnosticada com Alzheimer aos 50 anos. Para Sempre Alice, baseado no livro homônimo de Lisa Genova,  é um desses filmes que pode dar calafrios em todo estudante ou profissional de linguagem, mas vale a pena assistir. Afinal, poucas histórias tratam de um tema tão caro para nós: a linguagem como base da nossa visão de mundo, da expressão de nossas emoções, de nossas ideias, do nosso sucesso como profissionais – e como lidar com a perda de tudo isso sem deixar a peteca cair.


Julianne Moore mereceu ganhar mais de 30 prêmios por sua atuação no filme, pois conseguiu transmitir a seriedade da profissão de linguista, aquele que se dedica a estudar a linguagem humana dentro de um quadro científico. Mas o ponto alto de sua atuação é quando transborda a fragilidade humana da cientista diante de fenômenos irreversíveis da natureza que ainda não conseguimos explicar ou aceitar completamente. Um dos momentos mais tocantes no filme é quando ela percebe que seu processamento linguístico está se deteriorando, ao dizer: Sempre me defini por meu intelecto, minha linguagem, minha articulação, e agora às vezes consigo ver as palavras pairando na minha frente, mas não consigo alcançá-las, e não sei quem sou nem o que vou perder em seguida”.

Questões que antes a fascinavam, como objeto de estudo, passam a se materializar em sua experiência: como as pessoas adquirem, produzem e compreendem a linguagem verbal? Algo que parece tão simples e natural, na verdade, requer um conjunto complexo de procedimentos mentais e sinapses neurológicas, que formam um verdadeiro parser sintático em nosso cérebro. Hoje se sabe que a palavra escrita fica retida na memória de trabalho por cerca de 1 segundo, e cerca de 4 segundos no caso da palavra falada. Então, como conseguimos processar e compreender tão rapidamente as cadeias de palavras? Por que pessoas com algum tipo de lesão cerebral perdem a capacidade de compreensão ou de produção da linguagem, não necessariamente ambos? Tais perguntas têm feito com que a área de psicolinguística cresça a cada dia, e várias pesquisas, modelos e teorias tentam dar conta delas, graças aos avanços tecnológicos. É importante frisar que o Brasil possui um dos grupos de pesquisadores que mais avança nas pesquisas de psicolinguística, em instituições universitárias renomadas como UERJ, PUC, UFRJ, Unicamp, UFSC, entre outras.

Voltando ao longa-metragem, apesar de não ter sido indicado a nenhuma categoria importante nas premiações, ele tem uma simplicidade lúcida que me encantou. Apesar de parecer um documentário da evolução do quadro de Alzheimer, ele também dá luz a essa dor da perda da memória de forma poética, mostrando o que nos resta de importante quando temos um grande branco. Deixo aqui algumas palavras em inglês retiradas de um trecho do filme para sua reflexão e, quem sabe, uma ida ao cinema? ;-)

  
All my life I've accumulated memories - they've become, in a way, my most precious possessions. The night I met my husband, the first time I held my textbook in my hands. Having children, making friends, traveling the world. Everything I accumulated in life, everything I've worked so hard for - now all that is being ripped away. As you can imagine, or as you know, this is hell. But it gets worse. Who can take us seriously when we are so far from who we once were? Our strange behavior and fumbled sentences change other's perception of us and our perception of ourselves. We become ridiculous, incapable, comic. But this is not who we are, this is our disease. And like any disease it has a cause, it has a progression, and it could have a cure. My greatest wish is that my children, our children - the next generation - do not have to face what I am facing. But for the time being, I'm still alive. I know I'm alive. I have people I love dearly. I have things I want to do with my life. I rail against myself for not being able to remember things - but I still have moments in the day of pure happiness and joy. And please do not think that I am suffering. I am not suffering. I am struggling. Struggling to be part of things, to stay connected to whom I was once. So, 'live in the moment' I tell myself. It's really all I can do, live in the moment. And not beat myself up too much... and not beat myself up too much for mastering the art of losing."

 


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Um brinde aos filhos do Carnaval – e às filosofias de bar!


Finalmente, estão chegando os festejos carnavalescos deste ano, para a alegria de uns e a tristeza de outros! Nascida no mês do Carnaval, por sorte, sempre gostei da batida do samba, mas não da festa em si. E isso mudou só de uns anos pra cá... Por isso sempre me pergunto como e por que essa metamorfose ocorreu.

Que paixão é esta que o Carnaval desperta em alguns e não em outros? Ou que surge de repente, sem aviso? Será que ela fica latente, pois, no fundo, somos todos filhos do Carnaval (considerando sua origem remota*)? Isso porque os festejos populares sempre foram considerados uma espécie de “renascimento”. No Carnaval, ganhamos uma "segunda vida" que nos libera das regras e autoridades do cotidiano. Sabemos que somos incompletos e provisórios e, por isso, celebramos a renovação com o riso!

Isso me lembra lá longe das aulas de Teoria da Literatura e de Cultura Brasileira na faculdade, nas quais falamos sobre o teórico russo da cultura europeia Mikhail Bakhtin e o antropólogo brasileiro Roberto da Matta. Daí, tentei imaginar como seria uma conversa entre eles numa mesa de bar, na véspera do Carnaval do Rio de Janeiro, só pra ver a que conclusões poderiam chegar sobre o "ser ou não ser" filhos do carnaval?  E começa assim:
 
 

 – Camarada Roberto, dizer que o brasileiro é filho do carnaval me parece muito adequado para atrair estrangeiros curiosos, como eu. Mas sabemos que o Carnaval não é invenção do brasileiro! Há dez mil anos, os povos já realizavam seus cultos com cânticos e danças. Na Idade Média, havia procissões, ritos e cortejos intermináveis. E também a "festa dos tolos", a "festa do asno" e as "festas do templo", com seu rico cortejo de gigantes, anões, monstros e animais.
 
 – Sim, caríssimo Bakhtin! Isso sem falar dos bobos e bufões, que parodiavam as festas civis, as eleições de reis e rainhas e a escolha dos cavaleiros. Se não me engano, você falou sobre isso em A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento.
 
 – Exato, vejo que leu ao menos a primeira página da minha obra! Já fico grato, pois isso é raro, até mesmo na academia. Precisamos continuar mostrando aos “inteligentes contemporâneos” que todos esses ritos e festejos populares para o riso são uma fonte de sabedoria genuína! A grande diferença deles em relação aos ritos oficiais é mostrarem uma visão de mundo diferente, fora da que foi construída pela Igreja e pelo Estado. Nada de piedade, de dogmatismo, de misticismo: tudo é motivo de paródia na vida cotidiana. Aliás, manda descer uma gelada porque vejo que nossa conversa vai ser longa...
 
 – É claro, meu amigo. Vamos brindar a este encontro! Voltando ao seu ponto, o mais interessante é que essa dualidade de mundo que o homem medieval construiu pelo riso sempre esteve presente nas sociedades humanas. A diferença é que não havia valoração diferente entre os aspectos sérios e cômicos da vida. Nos velórios na época da Roma primitiva, chorava-se e debochava-se do defunto ao mesmo tempo. Difícil imaginar isso hoje!
 
– Roberto, é verdade que tudo ficou mais engessado sem o valor do riso. Os eventos oficiais não fazem nada além de consagrar o que está pré-fabricado, as hierarquias, os tabus, que de tão enraizados parecem até verdadeiros! Já os eventos festivos são a verdadeira festa humana, a do avesso, das renovações!
 
– Aí chegamos ao ponto principal, Bakhtin: parece que aqui no Brasil essa ponte com a visão cômica e carnavalesca de mundo não se quebrou. E o Estado não tem saída a não ser oficializar a alegria: são centenas de blocos de ruas, dezenas de escolas de samba! Mesmo que eu não gostasse de Carnaval, não teria como fugir dele.

 – Fato! Aqui o carnaval está vivo como se fosse ontem! Veja quantos pobres fantasiados de nobres, quantas donas de casa vestidas de rainha! É a própria vida que representa e interpreta outra vida, sem cenários e atores. É a segunda vida do povo, que não se exclui na brincadeira: o povo ri de si mesmo, por dentro! 
 
– Aliás, falando do carnaval no Rio, você prefere os blocos de rua ou as escolas de samba?
 
– Roberto, acho que carnaval não tem nada a ver com teatro e espetáculo. Os espectadores não assistem ao carnaval, eles vivem o carnaval desde que surgiu! A festa existe para o povo, sem exceção. E isso se vive tanto nas escolas quanto nos blocos, no morro e no asfalto. Porém me parece que o espetáculo das escolas na Sapucaí não é mais uma festa para todos, e sim para poucos.
 
– É o bendito dilema do esqueleto social brasileiro que fazemos de tudo para esconder: aos medalhões e VIPs, privilégios, ao povo, a lei. Tenho meus questionamentos sobre essa imagem “cordial” e “solidária” que o Brasil quer gritar para o mundo no carnaval... O Brasil esconde muito de sua imagem para si próprio ou acha que tem coisas que não precisa mostrar.

 – Estou sabendo, camarada. Li sua obra Carnavais, Malandros e Heróis e fiquei muito impressionado com sua análise sobre a cultura brasileira! Este é um dos motivos por eu estar aqui hoje: conhecer você e o Brasil pessoalmente. E também um pouco da cultura cervejeira do país. Garçom, pode trazer uma Original mesmo!

 – E está sendo um grande prazer ter essa prosa com você, Bahktin. Quem iria imaginar?

 – Verdade, camarada. Nem eu! Mas sempre sonhei em conhecer o calor do Brasil!

 – As praias? Sim, aqui somos filhos das associações espontâneas como as praias, o carnaval, o futebol... O carnaval estimula essa sensação de que todos somos iguais e que o que vale é o contato familiar e intenso entre as pessoas. e não seu posto social, mas na prática é diferente: "cada um deve saber o seu lugar”, ou “cada macaco no seu galho”, como diz o povo. As engrenagens dessa hierarquia social marcada pela intimidade e os parentescos garante a uns bem nascidos e muito bem relacionados tratamento VIP, impunidade, enquanto o “povo” fica na mão da lei e do racismo à brasileira, e ainda assim é sempre visto como “cordial” e “generoso”... Como toda sociedade colonial, temos grandes conflitos e crises, mas somos avessos a eles. E conflito sempre é tratado como revolta e sufocado com coerção policial ou social violenta. Não há muito espaço para a rebeldia cultural e inovações, meu amigo. Nisso ficamos devendo à Rússia!
  
– Mas, então, o que seria do Brasil sem o carnaval, meu camarada? Quando esse drama da hierarquia iria se resolver senão no reinado de Momo? Como os indivíduos do poder iriam se sujeitar a ser anônimos, e a massa anônima e impotente poderia inverter a situação, com indivíduos deixando de ser marginais e tornando-se finalmente pessoas no drama social: nobres, passistas, cantores, batuqueiros!
 
– Acho que pensamos parecido, Bakhtin: o carnaval é o riso popular que ecoa através dos tempos, aquele riso que não acaba, que não só diverte, mas que escarnece da tentativa de superioridade, da permanência e do poder. Essa é essência da rebeldia, seja ela russa ou brasileira! Como dizem por aí, “ri melhor quem ri, apesar de tudo”. Então, façamos um brinde ao Carnaval!

 
A discussão deu pano pra manga. Em seguida, passaram a falar de outros assuntos, como a corrupção no governo, a crise na Ucrânia e, é claro, o futebol! Beberam um tanto mais e seguiram ébrios rumo a um bloco que passava pela rua. Assim festejaram, pela primeira vez, o carnaval – sem pensar em nada. Apenas pularam abraçados pela força da amizade recém-travada e contagiados pela vibração da massa. Um fantasiado de palhaço e outro de burro. Passaram despercebidos.

 


Nota:

* Na verdade, a origem do carnaval é desconhecida. Há os que atribuem a origem dessa festa aos cultos agrários realizados pelos povos primitivos há dez mil anos antes de Cristo, quando esses povos com cânticos e danças celebravam as boas colheitas. Outros atribuem às festas em homenagem à deusa Ísis e ao Boi Ápis, no Egito antigo.

Na Grécia, o Carnaval foi oficializado, no século VII a.C., nas festas de culto a Dionísio, deus do vinho e dos prazeres da carne, em agradecimento aos deuses pela fertilidade do solo e pela produção.  Essas festas incluíam orgias sexuais e bebidas.

Na Roma antiga, as festas eram em honra ao deus, Saturno (as saturnálias), deus da agricultura e ao deus Baco (bacanais ou dionisíacas), chamado de Dionísio pelos gregos. 

No século IV, com o advento do cristianismo, a Igreja tentou combater várias tradições pagãs, mas com o tempo foi forçada a consentir com essas práticas e, em 590, o Papa Gregório I, oficializou o carnaval no calendário eclesiástico. Em 1545, durante o Concílio de Trento, o carnaval passou a ser reconhecido como uma festa popular.

Embora não haja certeza quanto à origem da palavra “carnaval”, sabe-se que surgiu entre os séculos XI e XII, e deriva do latim carnelevamen (tirar a carne), depois modificada para carne vale (adeus carne). Está ligada à tradição cristã, de não comer carne no período que precede a Quaresma (Paixão de Cristo). Nesse período todos os cristãos deveriam abster-se de carne por quarenta dias, da quarta-feira de cinza até as vésperas da Páscoa, jejuar e fazer penitências. Portanto, o carnaval significava a possibilidade de fugir desses rigores, festejando em liberdade.

 
http://www.historiamais.com/historia_carnaval.htm

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O ano das (bem mal) ditas palavras no Facebook


Estamos no Natal, momento de reflexões, e só agora pude parar para escrever sobre o turbilhão de palavras bem ou malditas que permearam minha vida e, talvez, a sua, no Facebook e fora dele. Digo de cara que não foi uma reflexão fácil (logo, este texto não será dos mais otimistas). Mas me pareceu urgente fazê-la desse jeito, a seco. Mesmo se tratando de um tema geral, este texto tem pretensões filosóficas e parte de uma teoria da linguagem, então, pode valer a leitura!

Não sei se só eu tive essa impressão, mas, neste ano, falou-se muita bobagem. Sim, fato! Nunca vi tantas brigas no Facebook por conta de partidos políticos, cisões em grupos profissionais, comentários ofensivos em posts pessoais e por aí vai... O mundo nunca foi tão aberto à comunicação, e todos falam o que pensam e têm muitas opiniões – e claro que me incluo nisso! Mas quase tudo o que é dito parece irrelevante, pois não estamos nos comunicando. O fato de haver Internet, computadores e pessoas não gerou uma sociedade em redes, pois “cada pessoa ou grupo se move em culturas de significado e valores distintos e conflitantes”, como diz o filósofo  Luiz Felipe Pondé no livro “A Era do Ressentimento”.

Para o filósofo, vivemos a era do ressentimento, no sentido trazido por Nietzsche. Ser ressentido é algo naturalmente humano: negar a falta (de sentido, certeza, alegria, beleza), por inveja dos deuses imortais. Queremos ser plenos, viver em harmonia, ter direitos, principalmente à felicidade, e nunca fracassar. Daí, a facilidade com que fazemos julgamentos positivos sobre nós mesmos, sobre nossas “causas” e opiniões, encobrindo nossa vaidade e nossas fraquezas. Para ele, "daqui a mil anos, não vão lembrar na nossa época como a época do iPad. Vão lembrar da nossa época como a era do ressentimento. Somos uma civilização de mimados que não é capaz de escutar nenhuma crítica sem achar que é uma questão de ofensa pessoal".

O fato pungente é que o universo é indiferente aos nossos desejos, não temos direitos garantidos a nada e sempre há alguém melhor ou mais belo do que nós. E que também estamos cada vez mais sós nesse narcisismo delirante, cercados de fotos e celulares nos acompanham sem cessar nessa solidão coletiva. O consumo e as festas até diminuem um pouco a sensação, pois a parceria do uso é muito mais garantida que a parceria dos vínculos humanos, com suas ambivalências e confusões. Mas, afinal, será que ainda resta algo que nos une em plena sociedade do "eu"?

Há sempre as PALAVRAS. Para Grice, o princípio geral que rege a comunicação é a COOPERAÇÃO. Não se deve entender cooperação como uma visão idealizada da troca verbal como um evento harmonioso. Cooperação no sentido de que cada enunciado tem um objeto ou uma finalidade implícitos, ou seja, o falante leva em conta o desenrolar da conversa com base na cooperação da interpretação do que diz. Apesar de a linguagem humana ser o reino da discórdia e do engano, características tão humanas e contemporâneas, sem a cooperação para a interpretação dos enunciados nem mesmo o conflito pode ocorrer.

Para isso, voltemos ao narcisismo e à teoria da Face (interessante coincidência com o nome Facebook), de E. Goffman, que gerou trabalhos interessantes sobre polidez linguística nos estudos da Pragmática. A polidez está associada à autoimagem pública de qualquer indivíduo e é um recurso de dissimulação do afeto negativo. Partindo desse princípio, "há sempre um esforço pela preservação da face, que se torna, então, condição da interação" (Martelotta. M.,Manual de Linguística, p. 97).

Conforme Goffman, temos uma face social defensiva, que se preserva ao falar, e uma face protetora, que salva a face do outro por meio do respeito e da polidez. Brown e Levinson, que deram continuidade aos estudos de Goffman, falam da face negativa (desejo de preservação pessoal, privacidade, não imposição) e da face positiva (desejo de ser apreciado e aprovado). Os elementos que mantêm a face social são o orgulho, a honra e a dignidade. Já gafes, insultos e ofensas são ameaças à face.

Por exemplo, por que fazemos um pedido a alguém usando “por favor”? Porque estamos invadindo a privacidade da pessoa e ameaçando sua face. Isso não valeria também para qualquer interação social pública? Vale a pena fazer uma reclamação ofensiva com alguém pelo Facebook? O que é colocado em risco? Isso não acabará depondo contra você, em último caso? Vale a pena impor sua opinião em vez de tentar ser amigável ou dar opções para que o outro se sinta livre para refletir ou manter as próprias opiniões, mesmo não concordando com você? Adianta se expor ou a alguém em uma rede pública e depois se arrepender da privacidade perdida? Qual o custo de tudo isso? 
 
Leech compreende a polidez em termos de máximas de adequação social, quais sejam:

1-      Máxima do tato: minimize o custo para o outro, critique de forma indireta (a mesa está um pouco suja... em vez de limpe esta mesa!)

2-      Máxima da generosidade: maximize o custo para si próprio (posso sim fazer esse favor pra você)

3-      Máxima da aprovação: maximize a honra do outro (se o Brasil não for campeão, azar da Copa)

4-      Máxima da modéstia: minimize seu orgulho

5-      Máxima da concordância: minimize a desavença entre as pessoas

6-      Máxima da simpatia: aproxime-se de quem te ouve, ouça-o

Bom, nada disso é fácil de pensar no calor do momento. Poucos de nós sequer se preocupam com as próprias faces, que dirá com as do outro. Mas a polidez é exatamente esse esforço de amadurecimento, de deixar de ser um ressentido que sabe tudo de si e do mundo para ser alguém disposto a dialogar. E, em casos de ameaça, usar recursos para minimizar as consequências negativas da exposição. Claro que tudo depende do contexto, das situações reais que enfrentamos, das diferenças culturais, de aspectos emocionais. Outro fator muito importante é o grau de intimidade que se tem com o interlocutor: não somos necessariamente "íntimos" porque somos amigos de alguém no Facebook e determinados comentários podem não deixar o outro tão à vontade. Mas se, por outro lado, não tentarmos usar as melhores palavras, a comunicação não ocorre e nada mais nos une – apenas a covardia e a falsa sensação de termos uma importância maior do que temos no universo.

E, retomando o espírito do Natal, há virtudes que nos unem e que são invisíveis para os que não as usam. A mais interessante delas seria a esperança que os outros nos emprestam, nos ajudando a dar sentido a nossas vidas. Em encontros não motivados por afinidade cultural, objetivo profissional, crenças em comum, não há também competição ou identificação, apenas pessoas com o simples desejo de serem felizes, falarem de seus sonhos e aflições mais profundos. Estar aberto ao mundo e ao diálogo no Facebook e fora dele nos torna pessoas minimamente maduras e, quiçá, felizes. Benditas sejam as palavras!