segunda-feira, 2 de junho de 2014

Odeon: ame-o ou deixe-o - LYT no Rio, parte II


Estava pensando em como escrever o segundo texto da campanha Love Your Translator, dedicado aos legendadores e dubladores. É uma tarefa desafiadora, pois basta fazer uma pesquisa no Google sobre "tradução de filmes" para vermos apenas críticas negativas. Mas ao ler a triste notícia no Facebook do Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas do Rio de Janeiro de que o tradicional Cine Odeon teria encerrado suas atividades, tive "suspiração" para a escrita. Como assim, será verdade isso? 
 
O site UOL nega essa informação, com base na declaração de Marcelo França Mendes, diretor do Grupo Estação: "Pessoal, em princípio o fechamento é provisório. O Odeon completará 90 anos em 2016 e um senhor dessa idade precisa de 'check up' periódico. Temos muitas coisas de manutenção urgentes a serem feitas e optamos por fechar durante a Copa porque, se houver manifestações como no ano passado na Cinelândia, nem valeria a pena abrir. Não há data ainda de reabertura porque ainda estamos fechando o patrocínio para essas intervenções. Mas, por enquanto, ainda não é 'the end'".
 
O fim das atividades do Odeon seria um fato minimamente preocupante para os tradutores ligados à indústria do cinema, pois este é o local oficial de eventos que oferecem oportunidades de trabalho sazonais, como o Festival do Rio, o Anima Mundi, o Curta-Cinema, entre outros. E isso nos leva a esclarecer as diferenças entre dois campos de trabalho distintos para os tradutores: a legendagem e a dublagem. A maior parte do público a quem essas traduções se destina confunde as áreas ou pensa que são a mesma coisa. Quase sempre surgem dúvidas, como: Por que a fala do personagem tá diferente? Por que o título do filme mudou? Vejamos primeiro as diferenças gerais e depois as dúvidas.

Segundo Renato Rosenberg, em Conversas com tradutores, como a tradução para legendagem é escrita, ela segue a norma culta; já ó texto traduzido para a dublagem deve levar a interpretação do ator em consideração e se aproxima mais da linguagem oral. A legendagem também precisa resumir ao máximo uma ideia, respeitando as limitações de caracteres na tela e o tempo de leitura, para que o espectador consiga ler. Os textos dublados também muitas vezes são cortados para “caber na boca” do personagem, mas todas as reações dos personagens precisam ser descritas. Quanto à complexidade do processo tradutório, cada tipo de filme é voltado para um para um público diferente e demanda pesquisas diversas, desde terminologias específicas usadas em um documentário a gírias e piadas de filmes de comédia. E cada empresa possui regras diversas em relação a termos, como palavrões, por exemplo, que muitas vezes precisam ser suavizados. As referências culturais em alguns casos também são adaptadas ao público brasileiro, como expressões idiomáticas referentes ao beisebol (que aqui podem ser substituídas pelo futebol). Mas em outras situações isso não é mais necessário, pois com a globalização mais pessoas estão tendo acesso a informações culturais de outros países e conseguem captar referências a celebridades e marcas de produtos internacionais, por exemplo.

Tudo isso responde à primeira dúvida e explica a necessidade de adaptação das falas dos personagens em muitas situações. Já a pergunta sobre os títulos dos filmes é respondida por Ulisses de Carvalho no seu site Tecla SAP de forma direta: “porque o tradutor não tem nada a ver com essa questão”. Veja detalhes aqui: http://www.teclasap.com.br/traducao-titulos-de-filmes/

Reforçando a temática da campanha “Love your Translator”, vamos finalizar com uma avaliação das críticas recebidas pelos legendadores e tradutores para dublagem, tanto do público quanto da imprensa.
 
Para o primeiro caso, Ulisses de Carvalho nos oferece no Tecla SAP mais um bom conselho: “Um dos passatempos nacionais é falar mal de legendagem. Encontrar erro no serviço dos outros é fácil e divertido. Fazer serviço sem erros é mais difícil e, provavelmente, menos divertido. Essa história de ficar catando erro em serviço dos outros é perda de tempo. Quando você encontra um erro no serviço de um colega, não aprende nada: se você encontrou uma tradução e notou que estava errada, é porque já sabia. Melhor ficar procurando os acertos, aquelas sacadas em que você jamais tinha pensado, soluções que nunca tinham passado pela tua cabeça. E legendagem é sempre uma lição extraordinária para todos nós, mesmo quando não é nenhum primor de trabalho.”

Por isso a crítica de legendas sempre me incomodou: porque é preciso ter acesso ao original para fazê-lo e, de preferência, entender do assunto. A crítica a um erro específico de um trecho, por exemplo, talvez por falta de atenção ou conhecimento do tradutor, não é uma crítica do processo de tradução em si, mas uma crítica gratuita, que fala mais sobre o ego do crítico do que qualquer outra coisa.

Quanto aos dubladores, Renato Rosenberg nos traz uma boa reflexão: “Nós, da dublagem, sempre tivemos problemas com a imprensa em relação ao nosso trabalho. Embora haja uma lei (...) dizendo que toda dublagem deve ser feita em território nacional, os distribuidores ‘esquecem’ disso e (os estúdios de dublagem nos Estados Unidos) pegam qualquer brasileiro que queira ‘fazer um bico’, sendo ator ou não, para dublar. Nem preciso dizer que o resultado beira o ridículo. Mas boa parte da imprensa prefere dar nota zero para a dublagem de determinado filme, sem mencionar este fato. Não sei se por falta de hombridade ou de conhecimento do assunto. Mas... se quem faz isso não conhece o assunto, por que escreve sobre ele?”

Entender melhor o trabalho do tradutor faz com a gente pense antes de criticar uma legenda ou de se negar a oportunidade de assistir a um filme dublado. E mais: pense nos deficientes visuais e nas crianças, por exemplo, que realmente precisam da dublagem. Isso por si só já não seria um motivo para amarmos um pouco mais os legendadores e dubladores?

Daí se conclui que a tradução não é essencialmente ruim ou boa, mas um componente, em geral imperceptível, que torna a experiência no cinema viável para alguns e mais rica para outros –  este é o meu caso, pois sou fã de traduções. Para os que não gostam, OK, basta esperar o filme sair em DVD ou usar a tecla SAP, mas esses de alguma forma vão deixar de aprender alguma lição com o trabalho do profissional da tradução. É isso: "tradutor: ame-o ou deixe-o".