Estamos no Natal, momento de
reflexões, e só agora pude parar para escrever sobre o turbilhão de palavras
bem ou malditas que permearam minha vida e, talvez, a sua, no
Facebook e fora dele. Digo de cara que não foi uma reflexão fácil (logo, este texto não
será dos mais otimistas). Mas me pareceu urgente fazê-la desse jeito, a seco. Mesmo se tratando de um tema geral, este
texto tem pretensões filosóficas e parte de uma teoria da linguagem,
então, pode valer a leitura!
Não sei se só eu tive essa impressão, mas, neste ano, falou-se muita
bobagem. Sim, fato! Nunca vi tantas brigas no Facebook por conta de partidos políticos,
cisões em grupos profissionais, comentários ofensivos em posts pessoais e por
aí vai... O mundo nunca foi tão aberto à comunicação, e todos falam o que pensam e têm muitas opiniões – e claro que me incluo nisso!
Mas quase tudo o que é dito parece irrelevante, pois não estamos nos
comunicando. O fato de haver Internet, computadores e pessoas não gerou uma
sociedade em redes, pois “cada pessoa ou grupo se move em culturas de
significado e valores distintos e conflitantes”, como diz o filósofo Luiz Felipe Pondé no livro “A Era do
Ressentimento”.
Para o filósofo, vivemos a era do
ressentimento, no sentido trazido por Nietzsche. Ser ressentido é algo
naturalmente humano: negar a falta (de sentido, certeza, alegria, beleza), por
inveja dos deuses imortais. Queremos ser plenos, viver em harmonia, ter direitos,
principalmente à felicidade, e nunca fracassar. Daí, a facilidade com que
fazemos julgamentos positivos sobre nós mesmos, sobre nossas “causas” e
opiniões, encobrindo nossa vaidade e nossas fraquezas. Para ele, "daqui a mil anos, não vão lembrar na nossa época como a época do iPad. Vão lembrar da nossa época como a era do ressentimento. Somos uma civilização de mimados que não é capaz de escutar nenhuma crítica sem achar que é uma questão de ofensa pessoal".
O fato pungente é que o universo
é indiferente aos nossos desejos, não temos direitos garantidos a nada e
sempre há alguém melhor ou mais belo do que nós. E que também estamos cada vez mais sós
nesse narcisismo delirante, cercados de fotos e celulares nos acompanham sem
cessar nessa solidão coletiva. O consumo e as festas até diminuem um pouco a sensação, pois a parceria
do uso é muito mais garantida que a parceria dos vínculos humanos, com suas
ambivalências e confusões. Mas, afinal, será que ainda resta algo que nos une
em plena sociedade do "eu"?
Há sempre as PALAVRAS. Para
Grice, o princípio geral que rege a comunicação é a COOPERAÇÃO. Não se deve
entender cooperação como uma visão idealizada da troca verbal como um evento
harmonioso. Cooperação no sentido de que cada enunciado tem um objeto ou uma
finalidade implícitos, ou seja, o falante leva em conta o desenrolar da
conversa com base na cooperação da interpretação do que diz. Apesar de a linguagem humana ser o reino da discórdia e do engano, características tão
humanas e contemporâneas, sem a cooperação para a interpretação dos enunciados
nem mesmo o conflito pode ocorrer.
Para isso, voltemos ao narcisismo
e à teoria da Face (interessante coincidência com o nome Facebook), de E.
Goffman, que gerou trabalhos interessantes sobre polidez linguística nos
estudos da Pragmática. A polidez está associada à autoimagem pública de
qualquer indivíduo e é um recurso de dissimulação do afeto negativo. Partindo
desse princípio, "há sempre um esforço pela preservação da face, que se torna, então, condição da interação" (Martelotta. M.,Manual de Linguística, p. 97).
Conforme Goffman, temos uma face social
defensiva, que se preserva ao falar, e uma face protetora, que salva a face do
outro por meio do respeito e da polidez. Brown e Levinson, que deram continuidade
aos estudos de Goffman, falam da face negativa (desejo de preservação pessoal,
privacidade, não imposição) e da face positiva (desejo de ser apreciado e
aprovado). Os elementos que mantêm a face social são o orgulho, a honra e a
dignidade. Já gafes, insultos e ofensas são ameaças à face.
Por exemplo, por que fazemos um
pedido a alguém usando “por favor”? Porque estamos invadindo a privacidade da
pessoa e ameaçando sua face. Isso não valeria também para qualquer interação
social pública? Vale a pena fazer uma reclamação ofensiva com alguém pelo
Facebook? O que é colocado em risco? Isso não acabará depondo contra você, em
último caso? Vale a pena impor sua opinião em vez de tentar ser amigável ou dar opções para que o outro se sinta livre para refletir ou manter as
próprias opiniões, mesmo não concordando com você? Adianta se expor ou a alguém em uma rede pública e depois se
arrepender da privacidade perdida? Qual o custo de tudo isso?
Leech compreende a polidez em
termos de máximas de adequação social, quais sejam:
1-
Máxima do tato: minimize o custo para o outro, critique
de forma indireta (a mesa está um pouco suja... em vez de limpe esta mesa!)
2-
Máxima da generosidade: maximize o custo para si
próprio (posso sim fazer esse favor pra você)
3-
Máxima da aprovação: maximize a honra do outro (se o
Brasil não for campeão, azar da Copa)
4-
Máxima da modéstia: minimize seu orgulho
5-
Máxima da concordância: minimize a desavença entre as
pessoas
6-
Máxima da simpatia: aproxime-se de quem te ouve, ouça-o
Bom, nada disso é fácil de pensar
no calor do momento. Poucos de nós sequer se preocupam com as próprias faces,
que dirá com as do outro. Mas a polidez é exatamente esse esforço de amadurecimento,
de deixar de ser um ressentido que sabe tudo de si e do mundo para ser alguém
disposto a dialogar. E, em casos de ameaça, usar recursos para minimizar as
consequências negativas da exposição. Claro que tudo depende do contexto, das
situações reais que enfrentamos, das diferenças culturais, de aspectos
emocionais. Outro fator muito importante é o grau de intimidade que se tem com o interlocutor: não somos necessariamente "íntimos" porque somos amigos de alguém no Facebook e determinados comentários podem não deixar o outro tão à vontade. Mas se, por outro lado, não tentarmos usar as melhores palavras, a comunicação não
ocorre e nada mais nos une – apenas a covardia e a falsa sensação de termos uma
importância maior do que temos no universo.
E, retomando o espírito do Natal,
há virtudes que nos unem e que são invisíveis para os que não as usam. A mais
interessante delas seria a esperança que os outros nos emprestam, nos ajudando
a dar sentido a nossas vidas. Em encontros não motivados por afinidade
cultural, objetivo profissional, crenças em comum, não há também competição ou
identificação, apenas pessoas com o simples desejo de serem felizes, falarem de seus
sonhos e aflições mais profundos. Estar aberto ao mundo e ao diálogo no Facebook e fora dele nos torna
pessoas minimamente maduras e, quiçá, felizes. Benditas sejam as palavras!