sábado, 12 de julho de 2014

Maracandanças

Com a esperada final no Maracanã, a Copa no Brasil vai chegando ao fim. O resultado, infelizmente, não era o esperado por nós, e a seleção e a equipe técnica terão muito o que pensar daqui pra frente para tentar reassumir sua posição na elite no futebol. Mas e para o time de tradutores/intérpretes brasileiros, quais foram os saldos positivos e negativos do evento? E o que ganhamos com essa experiência como povo afinal?

O esporte e a língua são umas das poucas coisas que realmente unem o brasileiro em meio à diversidade cultural. Mas traduzir esportes não é uma tarefa fácil como se pensa. Segundo o tradutor Luciano Monteiro, em Found in Translation, “o Brasil é um país com duzentos milhões de técnicos de futebol. Todos acham que são especialistas”. Logo, qualquer falha que deflagre que o tradutor/intérprete é inexperiente ou não entende bem do assunto imediatamente salta aos olhos e dói nos ouvidos da audiência. E mais: a linguagem, apesar de todo o seu jargão técnico, precisa ser acessível e interessante para todo tipo de público. Isso não é nada fácil de fazer, ainda mais para quem está acostumado a interpretar em conferências formais ou traduzir textos muito técnicos.

Além disso, o menor erro de interpretação pode até mesmo instilar animosidades entre os oponentes, como ocorreu na Copa de 2010, em que “We are going for a win” (Vamos jogar em busca da vitória) foi traduzido como “We are going to win” (Vamos vencer). Em outra ocasião, narrada em Found in Translation, quando um repórter perguntou a Diego Maradona sobre seu hábito de abraçar e beijar os jogadores, Maradona entendeu que a pergunta insinuava que ele fosse homossexual e respondeu se defendendo. Embora o intérprete tenha traduzido a pergunta corretamente, acabou sendo culpado pelo incidente.

Muito se falou das experiências negativas com interpretação nas coletivas de imprensa, seja por questões técnicas ou pela contratação de profissionais não especializados, mas as boas experiências não ganharam o mesmo destaque. Alguma crítica à interpretação simultânea em vários idiomas que está viabilizando o programa É Campeão!, no ar pelo SporTV? Que eu saiba, não; a equipe de intérpretes está mesmo batendo um bolão!

E o programa de interpretação voluntária Rio Amigo, do qual participei, que oferece interpretação telefônica gratuita para sete idiomas? Alguém ouviu falar? Talvez poucos soubessem da existência do serviço, que foi divulgado principalmente por seus participantes em campanhas nos estabelecimentos na zona sul do Rio de Janeiro.

Imagino que muitos intérpretes competentes que ouvi nas coletivas de imprensa importantes ou que acompanharam as seleções de perto tenham talvez até se tornado bons amigos de seus clientes, o que não é raro em função da proximidade que o trabalho exige. E muito do trabalho de tradução e interpretação também não passou pelas câmeras. Todo material de sinalização nas ruas e nos meios de transporte, por exemplo, foi traduzido ao menos para o inglês, e o feedback dos visitantes foi positivo.

Para o povo em geral, o verdadeiro legado da Copa foi, principalmente, imaterial. Só quem viveu a experiência de receber os turistas em casa, transitar pelas ruas como se estivesse na Torre de Babel, arranhar um pouco de inglês para ajudar um torcedor estrangeiro ou travar boas conversas com pessoas de diferentes nacionalidades nas mesas de bares lotados das cidades poderá medir a importância do evento com base na sua experiência.

Em minhas “maracandanças” pensando na campanha Love Your Translator, foi inevitável relembrar que entrei na profissão de tradução/interpretação graças a um evento esportivo: os Jogos Pan-Americanos de 2007. Na UERJ, onde estudei, participei de um projeto-piloto de interpretação para taxistas cadastrados pelo Ministério do Turismo. Assim, o valor que essa experiência teve para mim foi definitivo, em termos materiais e imateriais: ela me trouxe um norte de mudanças.


Acredito que para a atual seleção brasileira o legado talvez tenha sido mais doloroso, mas não diferente: mudanças! Após a derrota, vem a frustração, as necessidade de se repensar, se criticar, se recriar... E não é isso o que fazemos dia a dia? Não são muitas vezes os fracassos que nos mostram novos caminhos? Por que não encarar a derrota temporária como uma vitória da verdade da emoção sobre a arrogância do orgulho, da força de vontade interior sobre a pressão externa, o que nos dá tempo de ganhar fôlego renovado para as próximas partidas?


Em nossa experiência coletiva, as andanças pelos arredores um tanto míticos do Maracanã sempre poderão nos lembrar daqui pra frente da derrota como algo nem sempre negativo, mas que gera mudanças, para crescermos sempre como pessoa, povo, profissionais e craques da arte de viver. E aos que serão abraçados pelo estádio na final, a última recordação: o que importa mesmo é o amor pela arte de jogar, e só ama quem aceita as falhas dos seres amados, ou jogadores. Então, bola pra frente, e que vença quem mais amou!


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