terça-feira, 23 de setembro de 2014

Ressaca de congresso: cadê meus pares?


Assim como quem viaja e, ao retornar, já está planejando a próxima aventura, quem é picado pelo “congress bug” fica com alguns sintomas quando ele acaba. Após este último congresso da ABRATES, em setembro, percebi que as diversas experiências vividas ali geraram uma grande saudade coletiva na maioria, pelos comentários dos colegas em grupos de tradução. Uma saudade que, em tese, só passará no próximo ABRATES, em São Paulo. E talvez nem assim.

Para quem já foi a algum congresso, conheceu muitas pessoas especiais, levou consigo várias ideias preciosas e teve a chance de reviver tudo isso, essa saudade só tende a aumentar e a ir se transformando numa uma espécie de nostalgia, ou “ressaca de congresso”. Em resumo, aquele mal-estar provocado pelo afastamento dos nossos mais novos e antigos colegas, por ter passado um fim de semana praticamente “em claro”, dada a intensidade das trocas e “libações” que podem ter contribuído, literalmente ou não, para essa ressaca que nos pega no dia seguinte ao acordarmos para trabalhar sozinhos.

E como lidar com isso agora? Bom, mais do que manter o contato virtual, parece que existem formas de nos mantermos conectados pelo trabalho para crescermos juntos. Uma sugestão de parceria que, além de aproximar as pessoas, contribui para que todos cresçam cada vez mais, é a prática de feedback entre pares, uma proposta de melhoria contínua para intérpretes apresentada pelas colegas Melissa Mann, Milessa Nakayama, Julia Aidar, Rosana Gouveia e Daniele Fonseca.

O elemento interessante da proposta, que parece se aplicar também à tradução, é que a formação de grupos de prática e avaliação conjunta solidifica a afinidade profissional e pessoal entre aqueles que já se conhecem, ou dá chances para que essas afinidades se manifestem e se desenvolvam ao longo do tempo. E, mais importante: elas contribuem para o nosso autoconhecimento e crescimento como profissionais e seres humanos.

 A ideia de “crowdstudying” entre intérpretes é baseada na escolha conjunta dos temas de estudo, com uma organização prévia que facilita a gestão participativa, pois todos são responsáveis por liderar em algum momento. Para começar, cito inicialmente um resumo da ideia que está disponível no site do Congresso: “A partir de gravações de interpretação simultânea, seguidas de análise e feedback dos colegas do grupo, todos passaram a trabalhar áreas ou técnicas específicas que afetavam seu desempenho. Criou-se um ambiente verdadeiramente colaborativo, onde o crescimento profissional do outro é bem-vindo e estimulado com críticas objetivas e justificadas, que são consequentemente recebidas como oportunidade ímpar de melhoria, concretizada na vida profissional de todos”.

Durante a palestra, as participantes mostraram as regras e os procedimentos básicos para o exercício. Todos os dados importantes (tema, objetivo, datas, instruções, contatos, modelo de avaliação) são enviados ao grupo de e-mail (Google Group, Hangouts), formado por 4 a 6 participantes com níveis variados de experiência. O vídeo escolhido para gravação, com 15 a 20 minutos de duração, é disponibilizado em uma pasta de compartilhamento de arquivos (Google Drive, Dropbox). Um glossário comum é alimentado por todos enquanto se preparam para gravar a interpretação da palestra. Após realizarem a gravação (a primeira, não vale se regravar nesse momento, só após os feedbacks para trabalhar um aspecto de melhoria por vez), os participantes a carregam na pasta do grupo e avisam aos outros. Em seguida, cada participante prepara o feedback para dois colegas, conforme a grade de revezamento estabelecida. Após o envio dos feedbacks, o grupo marca uma reunião (por Skype ou Hangouts) para conversar sobre os feedbacks, trabalhar os aspectos linguísticos e planejar os próximos exercícios.

Esse processo de estudo favorece bastante a igualdade nas diferenças, as críticas construtivas com base em critérios e a amizade entre os colegas, afinal, "o feedback pode ser um gesto fraterno", conforme as apresentadoras colocaram. As conclusões a que chegaram, e acho que nisso todos concordamos, é que “vale a pena investir em si mesmo”, e esse investimento não se faz sozinho, pois sempre precisamos do outro para crescer.

Em um mundo profissional cada vez mais competitivo e individualista, creio que nós, tradutores e intérpretes, temos um diferencial em relação aos outros nichos: sabemos que o outro existe e somos algo porque o outro (autor ou orador) é. Trabalhar pelo “outro” acaba sendo uma forma de nos realizarmos e sermos. E como poderíamos chegar aonde chegamos hoje sem o “outro”, sem as parcerias e as trocas com os colegas? Tudo isso tem um valor imaterial que não podemos medir, somente agradecer. Fica então meu agradecimento pessoal a todos que contribuíram para o meu crescimento, para a realização deste incrível congresso e dos próximos que nos aguardam!

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