Assim como quem viaja e, ao
retornar, já está planejando a próxima aventura, quem é picado pelo “congress
bug” fica com alguns sintomas quando ele
acaba. Após este último congresso da ABRATES, em setembro, percebi que as
diversas experiências vividas ali geraram uma grande saudade coletiva na
maioria, pelos comentários dos colegas em grupos de tradução. Uma saudade que, em
tese, só passará no próximo ABRATES, em São Paulo. E talvez nem assim.
Para quem já foi a algum
congresso, conheceu muitas pessoas especiais, levou consigo várias ideias
preciosas e teve a chance de reviver tudo isso, essa saudade só tende a
aumentar e a ir se transformando numa uma espécie de nostalgia, ou “ressaca de
congresso”. Em resumo, aquele mal-estar provocado pelo afastamento dos nossos
mais novos e antigos colegas, por ter passado um fim de semana praticamente “em
claro”, dada a intensidade das trocas e “libações” que podem ter contribuído,
literalmente ou não, para essa ressaca que nos pega no dia seguinte ao
acordarmos para trabalhar sozinhos.
E como lidar com isso agora? Bom,
mais do que manter o contato virtual, parece que existem formas de nos
mantermos conectados pelo trabalho para crescermos juntos. Uma sugestão de
parceria que, além de aproximar as pessoas, contribui para que todos cresçam
cada vez mais, é a prática de feedback entre pares, uma proposta de melhoria contínua
para intérpretes apresentada pelas colegas Melissa Mann,
Milessa
Nakayama, Julia Aidar,
Rosana
Gouveia e Daniele
Fonseca.
O elemento interessante da proposta, que parece se aplicar também à tradução, é que a formação de grupos de prática e
avaliação conjunta solidifica a afinidade profissional e pessoal entre aqueles
que já se conhecem, ou dá chances para que essas afinidades se manifestem e se
desenvolvam ao longo do tempo. E, mais importante: elas contribuem para o nosso
autoconhecimento e crescimento como profissionais e seres humanos.
A ideia de “crowdstudying” entre intérpretes é
baseada na escolha conjunta dos temas de estudo, com uma organização prévia que
facilita a gestão participativa, pois todos são responsáveis por liderar em
algum momento. Para começar, cito inicialmente um resumo da ideia
que está disponível no site do Congresso: “A partir de gravações de
interpretação simultânea, seguidas de análise e feedback dos colegas do grupo, todos
passaram a trabalhar áreas ou técnicas específicas que afetavam seu desempenho.
Criou-se um ambiente verdadeiramente colaborativo, onde o crescimento
profissional do outro é bem-vindo e estimulado com críticas objetivas e
justificadas, que são consequentemente recebidas como oportunidade ímpar de
melhoria, concretizada na vida profissional de todos”.
Durante a palestra, as participantes mostraram
as regras e os procedimentos básicos para o exercício. Todos os dados
importantes (tema, objetivo, datas, instruções, contatos, modelo de avaliação)
são enviados ao grupo de e-mail (Google Group, Hangouts), formado por 4 a 6
participantes com níveis variados de experiência. O vídeo escolhido para
gravação, com 15 a 20 minutos de duração, é disponibilizado em uma pasta de
compartilhamento de arquivos (Google Drive, Dropbox). Um glossário comum é
alimentado por todos enquanto se preparam para gravar a interpretação da
palestra. Após realizarem a gravação (a primeira, não vale se regravar nesse
momento, só após os feedbacks para trabalhar um aspecto de melhoria por vez),
os participantes a carregam na pasta do grupo e avisam aos outros. Em
seguida, cada participante prepara o feedback para dois colegas, conforme a
grade de revezamento estabelecida. Após o envio dos feedbacks, o grupo marca
uma reunião (por Skype ou Hangouts) para conversar sobre os feedbacks,
trabalhar os aspectos linguísticos e planejar os próximos exercícios.
Esse processo de estudo favorece bastante a
igualdade nas diferenças, as críticas construtivas com base em critérios e a amizade entre os colegas, afinal, "o feedback pode ser um gesto
fraterno", conforme as apresentadoras colocaram. As conclusões a que
chegaram, e acho que nisso todos concordamos, é que “vale a pena investir em si
mesmo”, e esse investimento não se faz sozinho, pois sempre precisamos do outro
para crescer.
Em um mundo profissional cada vez mais
competitivo e individualista, creio que nós, tradutores e intérpretes, temos um
diferencial em relação aos outros nichos: sabemos que o outro existe e somos
algo porque o outro (autor ou orador) é. Trabalhar pelo “outro” acaba sendo uma
forma de nos realizarmos e sermos. E como poderíamos chegar aonde chegamos hoje
sem o “outro”, sem as parcerias e as trocas com os colegas? Tudo isso tem
um valor imaterial que não podemos medir, somente agradecer. Fica então meu
agradecimento pessoal a todos que contribuíram para o meu crescimento, para a
realização deste incrível congresso e dos próximos que nos aguardam!
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