sábado, 6 de setembro de 2014

Missão dada, missão cumprida: a interpretação na luta pelos direitos humanos

Minha primeira opção ao prestar vestibular foi o Jornalismo. Sempre tive paixão pela escrita e a leitura e, além disso, sempre tive vontade de participar dos fatos sociais e de dar voz a diferentes culturas, principalmente as que não são ouvidas. Ainda assim, por diferentes motivos, acabei optando por Letras. Mas, após passar recentemente pelo meu "batismo de fogo" em interpretação, fazendo uma trabalho voluntário de simultânea bilíngue (inglês>português e vice-versa) em uma reunião com os diretores de uma instituição de direitos humanos e membros de movimentos da sociedade civil, acredito que encontrei aquilo que buscava. Parece realmente que Deus “escreve torto por linhas certas”. Assim como nós, intérpretes.

Quem nunca "escreveu torto" ou deu uns escorregões pela vida profissional? Esqueceu-se de palavras-chave do glossário bem quando elas se repetiam na boca do palestrante. Ou mesmo inventou traduções aproximadas para termos muito específicos da cultura nacional ou estrangeira? Palavras como “arrastão”, “gato de luz”, “tapioca”, “pagode”, por exemplo, precisam antes ser explicadas do que traduzidas. E, além delas, há jargões técnicos do direito ou da estrutura prisional brasileira que aparecem bastante em encontros de direitos humanos. Por maior que seja o preparo, a construção de glossários e a troca com nossos pares, às vezes ficamos com a sensação ruim quando o máximo que conseguimos é "escrever torto”. Mas também ficamos com uma sensação boa quando conseguimos interpretar algo extremamente difícil de forma excelente.

Na verdade, nesses encontros, fazemos muito mais do que cobrir lacunas linguísticas, mas permitir que pessoas de mundos totalmente diferentes se entendam ao entrar em contato pela primeira vez. E isso tem um valor tão grande que os pequenos escorregões acabam ficando em segundo plano. Mas precisamos também nos responsabilizar por eles e buscar soluções, pesquisar, estudar, para que contribuam para a melhora em nossas próximas atuações.
Acredito que na vida existem “linhas certas”, ou seja, diferentes caminhos ou atalhos para chegarmos aonde queremos, de maneira justa e solidária. Ainda assim, muitos teimam em entortar as linhas, ou seja, fazer tudo errado e culpar os outros. Este é o caso de forças de segurança, que cometem massacres contra a população pobre ou contra os cidadãos que reivindicam seus direitos, culpabilizando-os por sua condição social, etnia ou qualquer outro motivo que justifique a violência desmedida.

Por isso, foi muito difícil para mim, como intérprete, segurar a emoção ao ouvir relatos mais contundentes. Ainda assim, a capacidade de controlar emoções é essencial para fazermos o nosso trabalho. Considero que nosso mérito é possibilitar que a voz desses sujeitos seja amplificada, alcançando ouvintes de diferentes partes do mundo. E, para isso, é muito importante o apoio psicológico, para que tais emoções não causem traumas indiretos, conforme vemos em casos de intérpretes que atuam em tribunais de guerra e situações militares.

Nesse encontro, tive o prazer de ver pessoas que tiveram a opção de desistir diante das injustiças ou lutar para mudá-las. E escolheram a segunda opção, usando uma arma que tem poder de fogo ainda maior que os fuzis: a palavra.  Se algo de fato for feito por essas pessoas e se eu tiver contribuído minimamente para isso, terei uma sensação de realização muito maior: missão dada, missão cumprida!



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